sexta-feira, 20 de maio de 2011

Cenário político francês passa por transformações após prisão de Strauss-Kahn

Sarkozy teria dito que caso é um desastre para os socialistas; partido se esforça para se desvincular da imagem do economista

NYT | 19/05/2011 15:57


Com o seu candidato à presidência em uma prisão de Nova York à espera da resolução de acusações de agressão sexual, incluindo tentativa de estupro, o Partido Socialista agiu na terça-feira para tentar tranquilizar seus apoiadores, enquanto o presidente Nicolas Sarkozy teria dito a parlamentares de seu partido que a prisão de Dominique Strauss-Kahn é um desastre para os socialistas, que perderam a "batalha moral pela presidência".

O mundo político da França começou a fazer manobras sérias na terça-feira para aproveitar a situação.

Martine Aubry, a líder socialista, disse à liderança de seu partido que devem se reunir, olhar além do trauma do escândalo e se concentrar na presidência.

"União, responsabilidade, combatividade, estas foram as três palavras mais ouvidas durante a manhã", disse Aubry. "Houve emoção, é claro, e o choque que todos nós sentimos, mas é nossa responsabilidade estar à altura da tarefa".

É necessário "aguardar os fatos" e a versão de Strauss-Kahn dos eventos que aconteceram em uma suíte de hotel em Manhattan, disse ela, mas também é preciso "respeitar a jovem mulher" que o acusou de tentativa de estupro e outros danos sexuais.

Seus comentários revelaram o dilema Socialista: seu candidato mais proeminente e esperança de ganhar a presidência de repente está fora da disputa, acusado de maltratar uma mulher imigrante da classe trabalhadora, além de ter sido manchado pela percepção de um estilo de vida luxuoso.

O partido se esforçou para se desvincular da figura do político.

"Não é o Partido Socialista que está no banco dos réus", disse o porta-voz do partido, Benoît Hamon.

Mas diversos comentadores notaram que as acusações contra Strauss-Kahn revelam não apenas o elitismo do Partido Socialista – a "esquerda caviar" – mas também o que eles chamam de corrupção de clube e, até mesmo, uma certa imoralidade.

Quando se soma à situação atual as críticas generalizadas feitas a Sarkozy por desfrutar de luxo e amigos ricos do setor de negócios e entretenimento, há uma sensação crescente de que as elites de ambos os partidos foram manchadas, o que pode ajudar a crítica da raivosa extrema-direita representada pela Frente Nacional da candidata Marine Le Pen.

A profunda impopularidade de Sarkozy – que contava com um índice de aprovação de 30% antes destes acontecimentos – não resultou em uma onda de popularidade para os socialistas, mas sim em uma subida nas pesquisas para Le Pen e seu partido. Mesmo antes da prisão de Strauss-Kahn, ela já era vista como uma possibilidade real de vencer um dos outros dois grandes partidos e chegar ao segundo turno daqui a um ano.

Le Pen está tentando fazer seu partido crescer deixando de enfatizar o racismo e o anti-semitismo – proibindo, por exemplo, a saudação nazista nas reuniões – e se concentrando em questões mais populistas, como o desemprego, a imigração, a globalização e a perda da soberania para a União Europeia e o euro.

Le Pen também foi a política francesa mais crítica de Strauss-Kahn e, de certa forma, a mais abertamente feminista.

"Eu não estou surpresa", disse ela no domingo, quando a notícia da prisão chegou à França. "Devemos tratá-lo como inocente até que se prove o contrário – mas todos na política de Paris sabem das relações patológicas de Dominique Strauss-Kahn com as mulheres".

Frederic Sawicki, cientista político da Sorbonne, disse que o constrangimento dos socialistas e a prudência do partido de Sarkozy "deixa um grande espaço para que Marine Le Pen se mostre como a defensora das mulheres contra homens machistas”.


Foto: AFP Ampliar
Nicolas Sarkozy teria dito que a prisão de Strauss-Kahn é um desastre para os socialistas
O desgosto e decepção generalizados com os tradicionais líderes políticos deve crescer com a prisão de Strauss-Kahn, disseram analistas.

"A única coisa que parece clara hoje é que a extrema-direita, o movimento anti-elite, aqueles que estão sempre enfatizando como as elites são corruptas, vai se beneficiar disto", disse Dominique Moisi, um pesquisador sênior do Instituto Francês de Relações Internacionais. "Agora eles podem dizer que as elites não são apenas corruptas, elas também são depravadas".

Como mulher, Le Pen está melhor posicionada para explorar o escândalo, disse Moisi. "Há claramente uma divisão na França sobre o assunto: as mulheres francesas dizem, 'Deixe que o sistema de justiça americano faça o seu trabalho", enquanto os homens dizem, 'Como eles podem desfilar um politico em algemas assim?'”

Sawicki disse que os acontecimentos abalaram o cálculo político de todos, especialmente entre os socialistas, onde Strauss-Kahn, um centrista com uma reputação internacional, era menos popular entre a esquerda de seu próprio partido, mas em melhores condições de captar votos do centro e até mesmo de partidários da centro-direita descontentes com Sarkozy.

O principal beneficiário entre os socialistas é François Hollande, 56, ex-líder do partido que é membro do Parlamento e presidente da região política chamada Corrèze. Hollande foi parceiro de longa data da última candidata socialista, Ségolène Royal, com quem tem quatro filhos. Royal perdeu para Sarkozy em 2007, mas vai concorrer pela indicação socialista à próxima eleição.


Hollande é muito querido, competente e centrista, embora ligeiramente comum. Ele se lançou contra Strauss-Kahn e é mais popular entre os eleitores do que Aubry, que é da ala esquerda do partido e, provavelmente, muito doutrinário para ganhar uma eleição nacional.

Mas ele não se sai tão bem nas pesquisas contra Sarkozy como Strauss-Kahn e é possível que outros candidatos – do Partido Verde, do Partido Comunista e de outros do centro – dividam o voto da centro-esquerda o suficiente para deixar os socialistas em terceiro lugar no primeiro turno.

Mas neste momento, com o andamento da disputa pelo eleitorado, Le Pen ou Sarkozy também poderiam ficar em terceiro lugar. Eles estão praticamente empatados por enquanto nas pesquisas de opinião, tendo em conta as margens de erro.

Jean-François Kahn, um analista e ex-editor da revista Marianne que não está relacionado com o acusado, disse: "Eu estou entre as poucas pessoas que pensam que Sarkozy poderia ser reeleito simplesmente porque a Frente Nacional pode chegar ao segundo turno", vencendo os socialistas. Hollande seria o melhor candidato socialista, disse ele – "um homem da esquerda aberta, não sectária". Hollande é "rural e urbano ao mesmo tempo", e "não há nenhum ângulo de ataque contra ele".

Portanto, há muito em jogo, como Sarkozy disse a seus legisladores na manhã de terça-feira, em comentários informados pelo Le Monde. Ele lhes deu o roteiro para o próximo ano: "trabalho duro, calma, união e dignidade", ele disse, repetindo a palavra "dignidade".

Ele disse que 2011 é um ano importante, em que a economia continuará a se recuperar e crescer, ele se recusará a aumentar os impostos, continuará a presidir o G-8 e o G-20, e ajudará a abrir espaço para um novo futuro para os países árabes do Norte da África.

"A única coisa boa que podemos fazer agora", disse Bruno Le Maire, o ministro da Agricultura, "é calar a boca e fazer o nosso trabalho".

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